segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Um dos sonhos era ver, um dia, o Menino Jesus trazer as prendas



Os Natais da minha infância


À medida que crescemos em idade, descobrimos que é bom recordar momentos da nossa vida como se fossem flores que compõem um ramo. Aprendemos a dar valor às pequenas coisas, como o sentir da aragem no rosto, ao Sol morno do Outono… a vida em cada momento da Natureza. Queremos dar forma às lembranças que brotam em tropel, como cavalos à solta, mas, a mão não acompanha o turbilhão dos nossos sentimentos. Eles são rápidos numa cavalgada imparável pela vida, levantando nuvens de saudade dos tempos que não voltam mais.
Lembro com muita saudade os meus tempos de criança e particularmente os Natais da minha infância; esses Natais cheios de magia, feitos de coisas simples com sabor a paz, esses Natais vestidos de frio na altura certa do ano e, em que sentada à lareira na cozinha da avó, sonhava com o dia de Natal, e com aquilo que o Menino Jesus iria trazer. Os meninos da minha infância não pediam nada, aceitavam tudo com agrado, sem fazerem birras.
Os nossos olhitos de criança brilhavam ao clarão das lareiras nas cozinhas, onde a família se reunia, e sonhavam… sonhavam com qualquer coisa que o Menino pusesse no sapatinho.
Lembro-me bem de acreditar por completo, Naquele Menino que eu via na igreja da minha aldeia. Era um Menino pequeno, e eu não entendia como é que sendo Ele tão pequenino, conseguia trazer as prendas para os meninos. Mais complicado era saber que Ele tinha de passar nas chaminés todas sujas de fuligem sem se sujar! Mas acreditava! Era Jesus!
Passei os Natais sempre com os meus avós maternos, os meus pais e mais tarde a minha irmã (temos 9 anos de diferença). À ceia, no dia de Ceia, sempre se comeu o bacalhau cozido com batatas e a hortaliça da horta da avó. A refeição terminava com as fatias (rabanadas), os bilharacos, que a avó tinha a seu encargo, os figos secos, algumas nozes e o bolo-rei. Do bolo, recordo o prazer que me dava esperar pelo brinde e pela fava que ele trazia, coisas de pouca monta, mas que eram guardadas com carinho.


Terminada a ceia, as famílias reuniam-se e iam à Missa do Galo, rezada à meia-noite. Durante as cerimónias, os cânticos de Natal, tinham mais encanto. No final da Missa, era dado o Menino a beijar. Era uma das cerimónias de que eu mais gostava, e, quando O ia beijar, fazia-o com tal carinho, como se naquele beijo fosse toda a minha gratidão.
Regressávamos de novo a casa (o percurso era feito a pé) novamente em grupos de famílias vizinhas e iluminados apenas por alguma claridade da lua. Recolhia cada um às suas casas, aos seus quartos e eu sonhava com a chegada do dia seguinte, para poder bem cedo sair da cama, dirigir-me à chaminé e ver o sapatinho.
Outro dos meus sonhos, lembro-me bem, era ver, um dia, o Menino Jesus trazer as prendas. Eu imaginava - O de vestidinho branco, de caracóis de oiro como as estrelas que salpicavam o Seu vestido. Era este o Menino Jesus da minha infância! Como eu gostava de O ter encontrado! Nunca O vi…mas eu tinha a certeza de que Ele sabia onde eu morava e, portanto, não se ia esquecer. O Menino Jesus trazia sempre coisinhas e quase sempre de comer. Lembro-me de uns chocolates pequeninos, embrulhados em “pratinhas” que eu alisava com a unha e guardava no meio das folhas das minhas histórias. Lembro-me das bonecas pequeninas que tinham uma cabeça de borracha com um cheiro de que eu gostava. Uma delas abria e fechava os olhos e era feita de plástico duro. Tinha um vestidinho, mas eu gostava também de a embrulhar num xaile pequenino que a avó fez em lã para ela.
No dia de Natal, sabíamos que o tema de conversa entre crianças vizinhas, eram as prendas no sapatinho. Costumava dar alguns dos meus chocolates a uma vizinha muito pobre, mas nunca fui capaz de lhe dar uma das minhas bonecas. Eram prenda do Menino Jesus e que eu queria guardar!
Em casa dos avós maternos que era a dos meus pais (a minha mãe é filha única) e a minha também, sempre se fez a árvore de Natal. Durante toda a minha infância e na minha adolescência, quem se encarregava de arranjar o pinheiro era o meu pai, que o ia cortar a um dos pinhais da família. Trazia-o para casa e o pinheirinho era posto num vaso com areia para o segurar. Depois era enfeitado com “pratinhas” dos chocolates que nós coleccionávamos na escola e que espetávamos nas bicas do pinheiro, ou ainda com bolinhas que se faziam com outras “pratas” rasgadas. Enfeitava-se também com alguns fios brilhantes. A minha árvore de Natal ficava na cozinha e eu gostava de ver como os poucos fios que ela tinha, brilhavam à luz da lareira que a avó acendia todos os dias.
Eu não fazia presépio, mas ia com outras meninas, a casa de uma vizinha, por acaso da minha família ver o presépio que ela fazia com a ajuda dos irmãos. Era um presépio tão bonito e grande como eu nunca tinha visto. Era feito na Sala do Senhor e aquele passeio enchia-nos o coração. Lembro-me bem de nos sentarmos no chão da sala, a olhar…olhar, como se nós fossemos também presépio. Como era mágica aquela época do ano!
Os natais da minha infância eram simples, como simples eram as vidas; vivíamos cada momento como se não houvesse tempo e éramos muito felizes. Eram natais de paz vividos em família, à semelhança da família Daquele que nos ensinou a Amar!

Odete Filipe



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