segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Crianças austríacas na Gafanha da Nazaré


Padre Bastos com Erica, Eneida e Irene Pill


Um sonho tornado realidade…
Foi lindo, muito lindo… comovente!


Após a II Guerra Mundial, Portugal acolheu centenas de crianças, algumas austríacas, que, no nosso país, passaram alguns meses, por vezes anos, ou até mesmo aqui ficaram a viver.

Em toda esta campanha de solidariedade para com as vítimas da Guerra, o papel da Cáritas Portuguesa foi fundamental, podendo mesmo dizer-se que constituiu a sua génese, em Portugal.
A Gafanha da Nazaré não podia deixar de participar nesta acção de solidariedade, sendo os seus habitantes gente de bem, de coração grande, hospitaleira e sempre disposta a acolher quem precisa. Foi o que aconteceu. Era eu ainda pequena, talvez com os meus cinco anos, e recordo a chegada de muitas crianças, todas elas com um cartão pendurado ao pescoço, com a respectiva identificação, acompanhadas pelo pároco da freguesia, na altura o Padre José Henrique da Eira Bastos, a quem foram entregues. Apesar da enorme tristeza que se lhes lia nos olhos, eu estava feliz, pois ia ter como companhia duas delas – a Irene Pill e a Rosemarie Lanner- ambas uns anitos mais velhas do que eu.


Erica, Padre Bastos e Rosemarie

Como outra coisa não seria de esperar, a adaptação não foi nada fácil: a língua, os costumes, a alimentação … tudo novo para uma criança ou jovem que, pela idade, deveria estar no aconchego e carinho das suas famílias.
Mas, com o passar do tempo, algumas destas dificuldades foram ultrapassadas e, espantosamente, até conseguiram andar na Escola, da qual saíram a falar e a escrever Português. E, caso curioso, ainda hoje mantêm essa aprendizagem, devido ao facto de se corresponderem com as suas “madrinha / padrinho” ou mesmo “mamã / papá”, como apelidavam aqueles que os tinham acolhido.


Décadas passaram. Eis senão quando, somos surpreendidos pelo anúncio de uma visita à família portuguesa, por aquelas duas então meninas e pela Erica Bistoletti, outra criança que esteve a cargo do pároco e que continua a falar e escrever português, servindo de intérprete. Difícil, a descrição de toda a emoção sentida!
Meus pais, que jamais pensariam voltar a vê-las, estavam a viver um conto de fadas!… Depois veio aquele abraço, o tão desejado abraço para “matar” as muitas saudades sentidas ao longo de tantos anos de separação. Lágrimas corriam … palavras ficavam presas na garganta, tal era a comoção.
Um sonho tornado realidade… Foi lindo, muito lindo… comovente!
Passaram-se dias férteis em recordações, leitura de cartas guardadas ao longo dos anos, visionamento de fotografias, muitas delas já debotadas pelo tempo, os postais que regularmente se trocavam, dando as boas festas pelo Natal, Páscoa e aniversários, tudo elementos guardados com carinho, na esperança de um dia poderem vir a ser úteis.


Rosemarie, Jaime Silva e Erica

Seguiu-se o reconhecimento das localidades e casas por onde passaram e confraternizaram, da Igreja, o encontro com o Padre Bastos, na altura ainda vivo,  e outras pessoas conhecidas. Que alegria!
O tempo da sua estada por estas terras da Gafanha não foi longo, dez dias, muito pouco para se lhes proporcionar o que tanto gostávamos de oferecer.
Visitaram outras localidades que entendemos serem importantes em referências históricas, etnográficas, gastronómicas e outros factores culturais.
Enfim! Imaginemos quanto estas pessoas terão valorizado, ao cabo de cerca de cinquenta anos, o reviver pacífico de uma infância conturbada pelos males da Guerra, amenizada pelo acolhimento de uma terra alheia, que lhes ofertou o carinho de terra-mãe.
Partiram reconhecidas, agradadas pelo acolhimento afável encontrado e, naturalmente, com a esperança de voltar.

Eneida Correia


Nota: Em breve serão apresentados alguns testemunhos fotográficos das pessoas mencionadas e de algumas outras por quem foram recebidas.

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