sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Para reflexão na US…

EU NÃO QUERO SER SÉNIOR, QUERO SER VELHA

Albertina Vaz 

Tenho vindo a ficar, como certamente muitos, profundamente desiludida com a sociedade com que nós, porventura os socialmente mais competentes e mais habilitados, estamos a viver procurando o mais ter, a mais-valia, a quantidade em detrimento do mais ser, que é efectivamente aquilo que dá valor à nossa vida.
Foi com uma estranha sensação que nos deparámos com a tremenda noticia de que alguém possa ter estado desaparecida, dentro do seu apartamento, durante nove anos, perante a imperturbabilidade de alguns familiares, das autoridades que gerem o nosso país, e dos moradores. Apenas uma única excepção, a vizinha que percorreu gabinetes e responsáveis e que não conseguiu, dentro do estrito e rigoroso cumprimento da lei, abrir uma fechadura. Ela bem quis mas a lei e a ordem impediram-na.
E fiquei a pensar nas sociedades primitivas em que os velhos eram os detentores do respeito e da sabedoria, em que nada se determinava sem que primeiro se consultassem os velhos, os maiores como assim se apelidavam.
Com o “progresso” os velhos passaram a chamar-se seniores, pessoas da terceira idade, idosos, como se o apelido os relegasse para um fosso sem fundo, onde todos se pudessem acumular até desaparecerem.
A competitividade da vida dos nossos dias atira para o mercado de trabalho, já de si escasso, muitos jovens que vêem nos velhos que já lá estão uma ameaça à sua permanência. E porque não foram educados para ver nos outros, nos velhos, a competência feita de muitos anos de trabalho e sobretudo de vida, criam à volta daqueles um casulo em que os fecham, apelidando-os de desactualizados e falhos de competências, chutando-os desta forma para uma exclusão da vida activa.
E depois nas famílias, já de si com poucos recursos, os velhos são votados ao abandono, sendo apenas procurados quando deles precisam ou quando socialmente se sentem obrigados a isso. Mas isto do social também é cada vez mais escasso, porque os valores da velhice deixaram de ser importantes. Neste momento o que interessa é o que parece ser e não o que é.
E que Estado é este em que é possível alguém deixar de levantar uma mísera reforma e ser alertado para um desaparecimento e continuar a ignorar que alguma coisa pudesse estar a correr mal dentro daquele apartamento em que um cão morre à fome numa varanda e alguns pássaros acompanham a dona na sua isolada agonia? Nós criamos este estado a que chamamos de “social”… Nós conformamo-nos com esta situação de abandono e isolamento para a qual todos estamos a caminhar.
Estranha sociedade esta que ignora os seus velhos e os encerra em casas fechadas onde morrem e só nove anos depois dão conta disso!
Estamos todos a esquecer que os jovens de hoje serão os velhos de amanhã. E não vale a pena culpar ninguém porque afinal quem educou os jovens de hoje? Não fomos nós? Não fomos nós que respeitámos até ao último dia das suas vidas os nossos velhos e que não soubemos transmitir aos nossos filhos essa necessidade que se torna urgente?
Eu tomei uma decisão: não quero ser sénior, quero ser velha, e envelhecer activamente com as virtudes e os defeitos que vão convivendo comigo mesma.

5 comentários:

Maria Helena disse...

Parabéns pelo seu texto, cara aluna!
Mas já se esqueceu daquela parábola em que o filho levava o pai velho, imprestável, com uma manta, para a montanha e o deixava lá até morrer?
Lembra-se porque é que o filho não o deixou la ficar? Porque, ao dividir a manta ao meio, o pai fez com que o filho reflectisse que o mesmo, ou pior, lhe iria também acontecer!
Pois é, ontem como hoje e talvez pior amanhã!
MH

Maria Helena disse...

Mas isto não quer dizer que não lutemos por um mundo melhor!
Há sempre a esperança que alguém pare para reflectir!
MH

José Luís Vaz disse...

O texto é muito duro, conforme me havias dito. Mas, também calculas qual a minha reacção, eu não sou velho, “velhos são os trapos”. Os apelidos, os nomes não são o mais importante. Mas,… os significados?... “Meus queridos” “meus amores” “minhas ternuras” “meus doces”, são os ingredientes certos para o depósito na reciclagem (se ao menos, fosse?). Trata-se da postura frente a seres com capacidades que se não medem, não se avaliam, mas se respeitam! –Tão simples! – DIGNIDADE. Como eu te compreendo, “minha velha”.

José Luis

Albertina Vaz disse...

Eu não tive a pretensão de que isto servisse para relexão na US e agradeço ao Prof. FM o tê-lo pensado, mas depois dos últimos dias, em que a cada momento surgem mais noticias de velhos que morrem sózinhos nas suas casas faz-me muita confusão que tão poucos tenham aproveitado esta oportunidade para falarem das suas reflexões e... dos seus sentimentos. E aqui estou a incluir todos: professores, alunos e trabalhadores da US.

maria piedade jesus pimentel trindade disse...

Um texto muito realista pois este é o país que temos. Por culpa nossa ou não isto não deveria acontecer pois os nosso "VELHOS" merecem todo o nosso respeito e apoio. Continua a escrever estes lindos textos e um muito obrigada
Piedade Trindade